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A criança sagrada

  • Foto do escritor: Susan Duarte
    Susan Duarte
  • 9 de out. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 12 de out. de 2023

A criança interior.

A criança precede o adulto. Todo adulto nasceu criança. Ela, portanto, é mais velha e mais sábia do que nós.

Pequena Menina de Azul. Amedeo Modigliani, 1918.
Pequena Menina de Azul. Amedeo Modigliani, 1918.

Nos primeiros 7 anos de vida, desde a vida intrauterina, o inconsciente da criança é um receptáculo absolutamente aberto. Ela absorve tudo ao seu redor - o que é dito, e principalmente, o que não é dito; o que é claro, e também, o que se encontra oculto.


Por mais presentes e dedicados que sejam Pai e Mãe, ambos não preencherão as necessidades da criança. Assim, começam os ciclos de percepções incorretas da própria criança - ela não sente que foi amada e cuidada o suficiente ou conclui que não recebeu o amor da forma como merecia e desejava. Essa é a origem de nossa desconexão com o mundo emocional.

Nada afeta tanto a vida de uma criança quanto a vida não vivida de seus pais. Carl Jung

A criança que não foi amada factualmente e aquela que foi amada mas acredita no contrário, recalca tal desamor à sua sombra. E lá ele fica, escondido, oculto do adulto. A criança segue pela vida adulta carregando as dores e traumas não resolvidos, as sombras nunca conscientizadas, tampouco iluminadas.

Menino com corvo. Akseli Gallen-Kallela, 1884.
Menino com corvo. Akseli Gallen-Kallela, 1884.

A obra Menino com Corvo é metáfora ideal para o estado da criança: ela fica reprimida na sombra inconsciente, a guardar e carregar sozinha o corvo preto - as feridas que constituem a sombra e a escuridão negadas pelo adulto. No entanto, essa caixa de pandora se manifestará na realidade física - não mais da criança, agora, sim, do adulto e adulta.


Concordo que, muitos de nós, não receberam, de fato, os cuidados e o amor que uma criança merece. Mas espernear de revolta quanto a isso não resolve o nosso problema.


Tal autoconsciência transfere a cobrança da criança em relação aos pais para a responsabilidade do adulto que nos tornamos. A adulta que sou é responsável por cuidar e abraçar a criança que fui. É minha tarefa, não mais dos meus pais, honrar os sonhos dela, atender suas necessidades afetivas e criativas, protegê-la e cuidá-la.

Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você. Jean-Paul Sartre.

Enquanto essa transferência de postura não ocorre, a criança continua abandonada e recalcada à sombra, irrompendo em momentos isolados na vida adulta - carência afetiva, relações fracassadas, escassez financeira, falta de autodomínio, cobranças diversas, baixa autoestima, indisponibilidade emocional, e a valsa continua.


Hellinger afirma que devemos ser criança diante de nossos pais e adultos diante da Vida. Eu costumo abraçar a minha criança dizendo à ela que fique tranquila, pois eu sou adulta e capaz de tomar conta de nós duas.


Não tomar a responsabilidade pela nossa criança sagrada, a criança interior, é ser conivente com um triste fato: os complexos doloridos do passado continuarão ditando as circunstâncias no presente.

Até que você se torne consciente do inconsciente, ele governará a sua vida, enquanto é chamado de destino. Carl Jung

Admiro muito a obra intitulada "Amor" do ucraniano Alexander Milov. Ele conseguiu capturar a essência do que é, de fato, abandonar versus abraçar a criança. Suas esculturas revelam o efeito devastador da criança reprimida num relacionamento a dois: os adultos se dão as costas. Um casal nunca é formado por dois, são sempre quatro: dois adultos e suas respectivas crianças. A mulher adulta e sua menina interior; o homem adulto e seu menino interior.


Na primeira escultura, eles estão virados de costas um para outro, num claro movimento de desespero e conflito, no qual a ruptura parece ser inevitável. Porém, quando a mulher abraça a sua menina, o homem abraça o seu menino, ambos modificam sua postura - estão, agora, de frente um para outro, cada um olhando para sua criança.

Nesse momento, a reconciliação acontece.

Isso ocorre porque só há relacionamento saudável para aquele que está em domínio do seu mundo emocional, representado arquetipicamente pela criança. Se não me relaciono com essa parte minha, posso me tornar indisponível emocionalmente, não conseguindo construir relações afetivas com ninguém.


Tomar a própria criança em seus braços não é somente um dos caminhos de reconciliação para um casal. Também é um caminho de cura para todos os desequilíbrios da vida. Não é o único fator, mas sem dúvida, é das variáveis mais relevantes na busca de uma vida melhor.

Crianças brincando na praia. Mary Cassatt, 1884.
Crianças brincando na praia. Mary Cassatt, 1884.

A criança guarda tesouros inestimáveis. Ela é criativa, sonhadora, sensível. Ela consegue imaginar, ousar, criar, inventar. Ela perdoa rápido e, logo, em sua imensa sabedoria, volta a brincar. Ela sabe que a vida é bonita. Basta que a gente não perca, nem de vista de sonho, a ideia da inocência, a quintessência da alegria.


Pegue uma foto antiga sua, ainda criança, anterior aos 7 anos. Pergunte à ela o que fazer. Ela conhece o caminho mais criativo e de menor resistência para a sua alma. Ela sabia, desde o princípio, qual era a sua missão.

Aprendi a observar, a vagar. Aprendi o que toda criança precisa saber: que nenhum horizonte está tão longe que você não possa ir além dele. Beryl Markham

Abrace ela, aproxime-se, volte a brincar. Toda leveza e toda graça, todo riso e todo choro, estão nela - na minha, na sua criança interior, a guardiã da Alma que somos.


Até sempre,

Susan

Founder Zeitgeist iD | A sua marca no espírito da época.

Creator Artesania da Palavra | O meu blog no espírito da época.

Susan Duarte©Copyright 2023.





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