O contraste das liberdades

Susan Duarte
5 de mai. de 2023
4 min de leitura

Atualizado: 8 de mai. de 2023

Toda a diversidade, todo o encanto, toda a beleza da vida é feita de sombra e de luz, disse Tolstói, em seu triunfo em forma de romance, Anna Karienina.

Luz e sombra compõem a equação do contraste, na qual a Consciência perfaz a geometria da vida. Contraste é fonte de Consciência. Sem o contraste da luz e da sombra, o que seria do discernimento? Contraste conduz a definições importantes, é uma ferramenta de decisão: discernir entre o que quero e o que não quero, caminhos e descaminhos, torto e direito, ir ou ficar, persistir ou desistir, é o livre-arbítrio de decidir. Tal dualidade na vida se manifesta, inclusive, na origem da vida, expressa na complementariedade de Yin-Yang, Mãe e Pai. Da união de opostos complementares nasce uma vida, a materialização de uma nova alma.

A luz que queremos na nossa vida, sem ignorar as sombras que dela fazem parte, passa pelo acolhimento da escuridão. Abraçar a sombra com a mesma disposição de quem olha para a luz é uma postura madura, corajosa, que não privilegia a primeira em detrimento da segunda, pois se sabe total, completo.

Prefiro ser pleno a ser bom. Carl Jung

A famosa ditadura do good vibes only é perigosa. Emoções negativas versus emoções positivas é um modo reducionista de resumir a riqueza da diversidade emocional. O espectro de emoções humanas são a nossa capacidade de sentir - e por quê (raios) polarizar até o sentir? Isso é meio caminho para a censura de si mesmo. No filme The Giver, O doador de memórias, o Sistema Leviatã obriga as pessoas a ingerir uma substância que suprime suas emoções. O resultado? Uma sociedade harmoniosa e feliz, perfeitamente controlada, dominada, passiva e dormente, absolutamente furtada de sua humanidade - a liberdade de sentir.

Se não sou capaz de sentir, a última das liberdades humanas de Victor Frankl, a liberdade de escolha, também me é suprimida.

Minha sombra já me foi muito útil. Toda vez que disse basta aos outros, a situações, a mim mesma; toda vez que rodei a baiana, subi em cima da mesa e decretei um retumbante Chega!, lá estava a toda-poderosa sombra da Susan. Com ela, aprendi que até os meus defeitos são norteadores do meu caminho. Afinal, saber aquilo que em mim ainda é vicioso, é meio caminho andado para a construção de um edifício virtuoso.

Nunca se sabe qual defeito sustenta o nosso edifício inteiro. Clarice Lispector

Caso tenha censurado ou recalcado seu lado escuro, saiba que está na Curva Normal. Freud chamou tal faceta nossa de "O retorno do recalcado". Diante de uma ferida emocional, é bem fácil declarar "Ah eu já esqueci, zerei, resolvido, sem mimimi". A utilidade do autoengano. O que não tem remédio, remediado está, o coro dos conformistas. Resolvido? Só que não. Eis aí o problema: a dor não desaparece só porque eu fechei os olhos. Pelo contrário, tomar um chá com Mara, o demônio do budismo, e encarar a dor no fundo de seus olhos escuros é justamente o ato que a transmuta em cura.

Não recalcamos a sombra por mero acaso. O cérebro humano é especialista em evitar a dor e buscar o prazer, hedonista por natureza e por definição. Mas nós somos a Consciência que está para além da mente, aquilo que é e dá vida ao cérebro. Logo, é possível escolher enfrentar a dor de modo consciente, dessa vez, não pela busca do prazer, mas sim pelo encontro com a Verdade - aquela onde mora ananda, a nossa verdadeira liberdade de Ser.

Trago comigo as feridas de todas as batalhas que evitei. Fernando Pessoa

A via do enfretamento é sempre mais honesta. Ou eu transformo a situação ou transformo a mim mesma ou ambas. Nas 3 vias, há florescimento de minha capacidade de ser e sentir. Enfrentar também exclui aquela partícula insidiosa - e se - que é a mãe de todos os arrependimentos e dramas. Enfrentar não é garantia de moldar o destino. Mas é a atitude que me protege do lugar daquela pessoa que apenas sobrou de vítima das circunstâncias. E nada mais.

Tudo aquilo que não enfrentamos em vida acaba se tornando o nosso destino. Carl Jung

A grande dádiva da sombra é sua potência alquímica, em toda sua força de transmutação, metamorfose e libertação. Pode soar místico, mas é isso mesmo o que somos: o mago e a magia, o campo e o conhecedor do campo. Seja no arquétipo do alquimista, seja no de Lorde Krishna, não importa. Ser o que já somos é simples, está aqui-agora ao alcance de todos nós, à espera do nosso silêncio.

Hoje, 5 de maio, é a Lua de Vesak para os budistas, a celebração do dia da Iluminação de Budha abaixo da árvore bodhi. Foi embaixo dela que Sidarta enfrentou Mara, superando-o na conquista de sua iluminação. O estado de consciência iluminado de Budha é provável que, por enquanto, seja algo distante de nós. Mas o ato de iluminar nossa própria escuridão e conscientizar nossas dores e recalques está à distância de uma respiração.

Até que você se torne consciente, o inconsciente irá dirigir a sua vida, e você vai chamá-lo de destino. Carl Jung

A Luta das Formas de Marc evidencia, pra mim, que não é preciso que seja uma luta. Ambas as formas, bem como ambas as luzes e sombras podem, e devem, coexistir. A alma humana é expressa e manifesta na Totalidade. Nenhum reducionismo egoico, composto de seus fracos estratagemas de autojulgamento, pode limitar a sua natureza de expansão, evolução e, sobretudo, plenitude.

Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a verdadeira tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz. Atribuída a Platão

Exercendo minhas 3 liberdades - de ser, sentir e escolher, permito a expansão da alma que sou na plenitude dela. Não quero ser boa nem má, bonita nem feia, fraca nem forte. Lá no Reino da Totalidade, desejo apenas ser inteira.

E nessa inteireza reside a minha Liberdade.

Até sempre,

Susan Duarte

Ceo & Founder Zeitgeist iD | A sua marca no espírito da época.