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Moinho do Portinho

  • Foto do escritor: Susan Duarte
    Susan Duarte
  • 15 de set. de 2022
  • 2 min de leitura

Atualizado: 14 de out. de 2022

O moinho moveu as águas que deram vida à minha família. A vida de meus ancestrais, começando pelos meus bisavós Gregório e Rosa Maria Duarte, portugueses e moleiros, perpassou ao pé do Moinho do Portinho. Conta-se, inclusive, com risinhos sempre cômicos, que alguns filhos foram feitos ali mesmo em suas tábuas.


Muitas águas mais tarde, eis que a vida gerada por eles chegou até aqui. Reconheço que a força da vida que há em mim vem daquele moinho. Sou bisneta de moleiros e, por ironia, mal sei sovar um pão. Mesmo assim, soube absorver a sua sabedoria de outros modos.


Além do moinho ser movido pela água, mói o alimento que gera ainda mais vida à medida que nutre a própria vida. Justamente por isso é costumeiro dizer:

Le Moulin de la Galette. Van Gogh, 1887.
Le Moulin de la Galette. Van Gogh, 1887.
"Águas passadas não movem moinhos."

Concordo contigo, vô Adolpho. Permita-me só adicionar um pequeno adendo consciente e autobiográfico ao teu axioma.


Por vezes, é preciso demover águas passadas, revisá-las, para que águas transformadas pela nossa nova compreensão ocasionem outros movimentos no moinho, num fluxo de vida, agora, renovado.


Segundo minhas parcas lembranças das aulas de biologia, o corpo humano é constituído 70% de água. Não me surpreende que sejamos tão suscetíveis aos movimentos das marés e ciclos da lua - minha tpm que o diga!


Certa vez, ouvi que a palavra "mágoa" significava uma má-água, uma dor que não se liquefez, cristalizando-se em sofrimento perpétuo. Remexer nas águas passadas, em termos práticos, é um movimento consciente de dissolver aquela água que ficou parada, represada, doída, algures entre a mente consciente e inconsciente, cristalizada no coração, um obstáculo ao fluxo natural da alma.


Minha história ancestral orbitou em torno do moinho. O movimento do moinho é o movimento da vida - sempre passando, sempre triturando, sempre renovando.


Preste atenção, o mundo é um moinho, vai triturar teus sonhos tão mesquinhos, vai reduzir as ilusões a pó, advertiu Cartola. Para Cartola, o moinho era triste, um instrumento que triturava sonhos, apequenava a vida. Para a minha família, foi fonte de vida e, ainda se perpetua, enquanto água nova de sabedoria.


Que privilégio o meu beber nesta fonte!

A água passada fez o trabalho dela. Aquela que passou não moverá o moinho no presente, neste agora; ela fará o caminho do seu ciclo na natureza até que retorne e mova moinho novamente.


Caso alguma água não tenha passado, gerando mágoas sentidas, motivos de lamento no presente, libere, deixe a água fluir outra vez. Dissolva suas mágoas, as má-águas acumuladas pela nossa própria ignorância - e muitas delas cultuadas como troféus, numa guerra de farrapos que jamais conhece a benesse do fim.


Admitir perdas, tomar para si responsabilidades, demover águas passadas é costurar uma nova colcha de retalhos, um mosaico de farrapos que, agora, aquece o coração.


Não faço pães como os teus, Bisa Rosa. Mas aprendi bem a não deixar que a água passada vire mágoa. Não! Porque, na verdade, eu sei:

São as águas transformadas que movem o moinho para todo o sempre.

Até sempre,

Susan Duarte

Ceo & Founder Zeitgeist iD | A sua marca no espírito da época.

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p.s: O moinho de Cartola!


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