As mãos do meu pai são as minhas
- Susan Duarte

- 14 de ago. de 2022
- 3 min de leitura
Domingo de Dia dos Pais no Brasil.
Filha única que sou, falarei do primeiro homem que eu amei, daquele que sonhou comigo muito antes de eu nascer.
Para admirar
As mãos de meu pai As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis sobre um fundo de manchas já da cor da terra — como são belas as tuas mãos pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos… Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente vida. E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predileta, uma luz parece vir de dentro delas… Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste alimentando na terrível solidão do mundo, como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento? Ah, como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas mãos! E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas… essa chama de vida — que transcende a própria vida… e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.
Mário Quintana.
Para refletir
Hoje, no Brasil, celebra-se uma data alusiva ao Dia dos Pais. Dia de alegria para alguns, de conflitos para outros, de saudades para outrem. Independente do movimento, o pai é uma figura etérea em nossa vida. Sem ele, aliás, não se manifesta a própria vida.
Até o momento, eu tive dois pais no mesmo homem. O pai da menina, o pai da mulher. Enquanto menina, amar o meu pai era amar um herói. Ele era o mais forte, o mais bonito, o mais correto, acima do bem e do mal, o meu princípio e o meu fim, o meu porto seguro. Nas mãos dele, nada neste mundo de Deus e dos homens poderia me atingir.
A vida é movimento. E tal movimento implica transformação. Para crescer, é preciso, antes, transformar-se. Crescer dói, ao passo que não fazê-lo dói mais. Então, a vida aconteceu, e eu cresci.
Aos poucos, a figura desonesta e idealizada da menina foi dando um espaço generoso ao conhecimento da mulher - aquela que descobriu um novo homem, ainda pai, mas agora, menos herói e mais humano. Foi doloroso desmantelar a velha ilusão que nutria dele. Contudo, foi bonito descobrir, de fato, quem ele realmente é.
Meu amor por ele mudou. Transformou-se. E nessa travessia, a menina despediu-se da armadura (inglória e ilusória) de herói e a mulher descobriu um homem real, a quem, finalmente, decidiu amá-lo pelo que é, como é, como conseguiu ser dentro de seus limites e possibilidades, e não mais revestida de sua fantasia outrora infantil, um dia, tão injustamente idealizada.
Quando eu penso no meu pai, feito Quintana, penso em suas mãos. Nas mãos que me seguraram no colo, nas quedas, nas noites, na vida. Nas mãos que incansavelmente apoiavam o banco da minha bicicleta durante a empreitada de retirar as rodinhas. Nas mãos que me ensinaram a dirigir, ainda que relutantes, na tentativa de me proteger. Nas mãos que me levaram pro mundo e me deixaram num aeroporto sozinha para que eu pudesse construir o meu próprio mundo. Nas mãos que me receberam de volta, feito filha pródiga, prontas a me acolher, não importando em quantos cacos o meu coração tivesse se estilhaçado. Nas mãos do meu pai que, pensando bem, são as minhas, pois tudo que sou e tudo que crio, só é possível porque estive segura na beleza e na firmeza das mãos dele.
Para apreciar
A obra barroca de Murillo, de 1667, O retorno do filho pródigo. Outra vez, as mãos desse pai, abertas e disponíveis ao abraço do filho.

As mãos de um pai que sempre acolhe o seu filho, no matter what. Um pai que ultrapassa e supera o julgamento. Um pai que apenas recepciona, ama, cuida, e num ato último de generosidade, impulsiona com a firmeza de suas mãos a força que esse filho precisa de retornar ao mundo para construir o seu próprio mundo.
Para ouvir
Pai, só há um jeito de eu te amar mais: no dia em que eu te ligar pra pedir, só pra ires lá em casa, brincar de vovô com os meus filhos, com os teus netos.
E a vida, de tão generosa que é, reserva-me a chance, logo ali num breve horizonte, de ter o meu terceiro pai.
O pai da menina, o pai da mulher, o pai da mamãe.
Num futuro, provavelmente breve, o pai da mamãe de primeira viagem que me tornarei. No dia em que eu vê-lo pai ao quadrado, avô dos meus filhos, neste dia, eu sei que ele saberá:
Eu o amarei mais do que antes e mais do que nunca.
Até sempre,
Susan Duarte
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